PT quer recriar a CPMF

Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff pedir aos participantes do 5º Congresso Nacional do PT que o “partido e o governo estejam juntos neste momento”, a realidade mostrou que essa parceria não será simples nem mesmo nos debates em que o Planalto esteja alinhado com a legenda. 

Assegurando ter o aval de Dilma e de boa parte dos governadores, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, propôs a retomada de um imposto para financiar a saúde, nos moldes da CPMF, mas poupando a classe média e incidindo em movimentações financeiras elevadas. Acabou rechaçado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. “Não há perspectiva, não estou cogitando”, cravou Levy, após encontro em São Paulo.

No mesmo dia em que Dilma, durante entrevista ao Programa do Jô, afirmou que o país passa por “uma crise econômica, mas não está doente”, Chioro afirmou que a nova CPMF teria algumas diferenças em relação ao modelo anterior de cobrança. O primeiro deles é que os recursos seriam divididos entre a União, estados e municípios. O segundo é que não impactaria em todos os contribuintes. “A ideia é tirar da cobrança amplos setores da classe média. Não vai ter mais CPMF do jeito que era.” Ciente de que a proposta enfrenta resistências ferrenhas no Congresso, o governo tenta construir um consenso com os governadores para superar obstáculos. “Os governadores também estão desesperados. A gente precisa ter uma convergência”, disse o ministro. Em nota, o Ministério da Saúde desmentiu Chioro e disse que “o governo federal não trabalha com nenhum modelo novo de financiamento”. 

Convergência que ele não conseguiu sequer na própria pasta. Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que o tema do financiamento da saúde é “histórico e essencial para a sustentabilidade do SUS”, mas que o governo não trabalha com nenhum modelo novo. A pasta destacou também que 70% da população usam o SUS. Sobre a CPMF, a nota afirma que a pasta acompanha os debates sobre o tema, tanto na sociedade civil, quanto com prefeitos e governadores. “Não há, no âmbito do governo federal — o que abrange a equipe econômica —, nenhuma discussão em curso sobre o tema”, disse.

Na coordenação política do governo, a perplexidade foi idêntica. Interlocutores ouvidos pelo Correio afirmaram que não há como garantir se o tema tramitará com facilidade no Congresso se o debate interno sequer foi iniciado. Mas lembram que, em outros instantes, o governo e o PT já ventilaram a hipótese do retorno de um imposto para financiar a Saúde e a ideia jamais prosperou por falta de ambiente político propício para isso. E que, neste momento, tampouco parece haver clima para a ressurreição de propostas desta natureza. “Já esgotaram as medidas impopulares deste governo”, disse outro assessor.

Avaliação
Na avaliação da professora de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lígia Bahia, falar em volta da CPMF é uma “manobra diversionista”. “Na verdade, houve um corte no orçamento na saúde. O ministro deveria ter sido contra este corte. Agora, ele está jogando para a arquibancada. Como ele, que sequer conseguiu impedir o corte no momento previsto, acha ser possível impor um tributo num momento de ajuste fiscal?”, disse.

Segundo ela, ninguém discorda de que são necessários mais recursos para a área, no entanto, repaginar uma CPMF não seria a medida mais adequada. “Não acho que seja a maneira mais viável, mas a mais abstrata. Há duas outras mais viáveis, que são: não permitir o corte no orçamento e impedir a retirada pela Desvinculação de Receitas da União (DRU) de recursos para a saúde. Ambas estão sendo praticadas neste momento”, lembrou. Ela avalia também o caráter impopular da medida. “A gente já tem uma elevada carga tributária. A solução não é aumentar impostos, é usar os que já temos”, avalia.

A presidente do Centro Brasileiros de Estudos em Saúde (Cebes), Ana Maria Costa, também é categórica ao dizer que o SUS precisa de mais dinheiro, mas também não concorda que uma nova CPMF seja o melhor meio para obtê-lo. “Temos um investimento público em saúde muito baixo e o gasto das famílias é muito alto. Precisa de mais investimento federal. Mas eu acho que uma nova tributação é um equívoco. Nós tivemos uma história muito trágica com a CPMF. Quando ela foi criada, o gasto arrecadado foi para saúde, mas depois foi desviado para outros gastos com políticas sociais que não eram o SUS. E essa situação pode voltar a acontecer, porque é uma tributação nova. O SUS sempre terá problemas de financiamento se não tiver uma fonte vinculada”, avalia.

Ana Maria teme que o contribuinte menos privilegiado acabe arcando com as consequências, apesar de Chioro ter falado em taxar grandes movimentações. “Toda alternativa política redistributiva cria mais equidade e condições de justiça nesse país. Entretanto, o que chamamos atenção é que soluções paliativas são sempre temerárias em relação á saúde porque nós precisamos de fontes estáveis, vinculadas, que ninguém mexa, nem neste governo, nem no outro, nem no seguinte, seja de qual partido for”, afirma. Para Ana, é legítimo que Chioro busque uma solução, porém, não é a melhor. “O ministro está no papel dele de buscar essa alternativa porque ele tem recurso insuficiente que não dá conta de fechar a conta do ano. É uma solução paliativa de qualquer forma, temerária mediante as circunstâncias. O SUS precisa de uma fonte estável, fixa”, disse Ana.

“A ideia é tirar da cobrança amplos setores da classe média. Não vai ter mais CPMF do jeito que era” 
Arthur Chioro, ministro da Saúde

“Temos um investimento público em saúde muito baixo e o gasto das famílias é muito alto. Precisa de mais investimento federal” 
Ana Maria Costa, presidente do Centro Brasileiros de Estudos em Saúde

Para saber mais

Alíquota de até 0,38%
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o imposto do cheque, substituiu, em 1997, o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), criado em 13 de julho de 1993 e que vigorou de 1º de janeiro de 1994 até 31 de dezembro de 1994. O IPMF tinha uma alíquota de 0,25%, que incidia sobre o débitos lançados sobre as contas mantidas pelas instituições financeiras.

Criado por meio de uma PEC, a CPMF tributava as transações financeiras, como pagamentos e saques. O valor arrecadado com as movimentações tinha como destino o financiamento à saúde. Ela foi cobrada até 23 de janeiro de 1999, quando acabou extinta. Até 17 de junho de 1999, quando foi retomada, a CPMF tinha sido substituída pelo Imposto de Operações Financeiras (IOF).

A alíquota, que era originalmente de 0,25%, foi elevada na época de seu restabelecimento para 0,38%, abaixada para 0,30% em 17 de junho de 2000 e novamente elevada para 0,38% em 19 de março de 2001. Diferentemente do IPMF, a CPMF era uma contribuição destinada especificamente ao custeio da saúde pública, da previdência social e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Na época da extinção, a previdência social e a erradicação da pobreza recebiam aproximadamente 26% e 21% da arrecadação, respectivamente.

A derrubada da CPMF é considerada a pior derrota do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A derrubada da cobrança ocorreu em dezembro de 2007. Dos 49 votos necessários para a sua prorrogação no Senado, o governo conseguiu apenas 45.

A oposição se movimentou para derrubar a contribuição sob o argumento de que o valor arrecadado não era mais inteiramente destinado à saúde. O governo reclama do fim da CPMF desde então e alega ter perdido a chance de arrecadar cerca de R$ 40 bilhões ao ano para aplicar na saúde. A volta do tributo é discutida e já foi levantada por ministros da saúde e também pela presidente Dilma Rousseff em 2011.


Fonte: Redação.

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